O Natal

É dia 8 de Dezembro. Um dia aguardado com muita expectativa por nós. Hoje vamos montar o nosso pinheiro de Natal. É hoje que tudo se passa e que partimos em busca, por entre as mercearias do bairro, do pinheiro mais bonito que nos vai enfeitar a casa durante um mês. Quanto mais alto for melhor, dizemos nós. Mas a mãe, que já leva uns quantos anos de avanço, sabe que a casa não cresce para albergar aquela árvore imensa que surge imponente no meio das outras, e que nos teremos de contentar com uma mais pequena.

Redonda não, pedimos. Um pinheiro é assim bicudo, mãe, explicamos para que não restem dúvidas. Por entre aqueles ramos de pinheiro manso, tentamos achar como que por magia, um belíssimo exemplar de pinheiro nórdico, como os que se vêem nos filmes de Natal. Nunca achámos esse pinheiro, mas o que escolhíamos para nos fazer companhia nesta quadra, era sempre lindo, ou quase sempre.

Regressamos a casa com o passo apressado. Não há tempo a perder, temos de enfeitar a nossa árvore de Natal. Vamos buscar o vaso de barro e as pedras da calçada que seguram a árvore no sítio. Afastam-se os móveis para que ela tenha lugar de destaque na nossa sala. Enquanto a mãe, vai buscar a caixa com os enfeites, que servem ano após ano, nós tentamos escolher qual é o lado mais bonito da árvore. Separam-se as fitas, desenrolam-se as luzes. Separam-se as peças do presépio, bastante marcadas pelas mãozinhas de duas crianças. E começa a cerimónia de vestir a árvore de luz e de cor.

Primeiro as luzes, a percorrer toda a árvore. De seguida as fitas amarelas, vermelhas e azuis. Depois as bolas e sinos de diferentes tamanhos e formas mas sempre muito coloridos. Vai-se ouvindo: Uma árvore de Natal tem de ter muitas cores, mãe! Estão duas bolas amarelas juntas! Põe antes esta azul. Aí fica feio. Oh mãe! Olha ele que não sabe por as fitas! Oh mãe! Ela não me deixa fazer à minha maneira. Pouco a pouco a árvore ganha vida. Um pouco de algodão faz as vezes da neve. A mãe esconde o vaso com papel de embrulho e põe-lhe um grande laço. Está quase tudo pronto. Só falta o presépio.

Põe-se uma folha verde no chão. Com um pouco de prata, inventamos um rio, onde o pescador e a lavadeira vão passar os seus dias. Um pouco de musgo serve de pasto às ovelhas, vacas e galinhas dos Pin-y-Pons. A casinha de palha, alberga o Menino Jesus, os seus pais, umas quantas ovelhas e uma vaca deitada por trás do Menino, para o manter quente. Os três Reis Magos vão a caminho, no cimo do monte feito de papel amachucado. Colocam-se luzinhas à volta do presépio e por cima do Menino. Recortam-se e pintam-se peixinhos de papel que são lançados ao rio. Pinta-se uma estrela que é colocada no telhado, para que os Reis Magos não se percam no seu caminho. Juntam-se umas quantas pedrinhas a ladear o percurso do rio, e um poço de água fresca.

Chega o momento de acender as luzes. E eis que os nossos olhos presenciam um momento único. As luzes piscam, e as bolas coloridas reflectem essa luz. Tudo brilha, até o nosso sorriso. Apaga a luz mãe! Apaga a luz, pedimos-lhe em coro. Na escuridão tudo ganha outra vida. A nossa árvore é a mais bonita. O nosso presépio também. Mas, depois da excitação do momento, reparamos que ainda não está completa. A árvore continua despida de presentes. A mãe vai buscar então as nossas prendas surpresa. Uma para cada um. Temos autorização para abanar, apalpar mas nunca para abrir. Quando chega ao dia de Natal, o papel está gasto de tanto aperto mas continuamos sem saber o que são. Lembro-me em particular de um ano, que foi especialmente difícil. A minha era uma pá e uma vassoura em lata e a do meu irmão um jogo de Mikado. O que sofremos neste ano. Foi tanto ou tão pouco que ainda me lembro do papel de embrulho que vestia estas prendas!

São estas as únicas prendas, que sabemos serem para nós, que vão estar na árvore. As restantes só apareceram na chaminé, na manhã do dia de Natal. Ainda hoje estou para descobrir como é que a minha mãe conseguia manter escondidos, numa casa que não era grande, todos os nossos presentes sem que os descobríssemos. E o que nós procurávamos! A verdade é que quando acordávamos nesse dia, a surpresa era tanta que ficávamos parados por instantes à procura da prenda surpresa que identificava o nosso monte de prendas! Esta era a primeira a ser aberta porque o coração já não aguentava mais tanta curiosidade! Em geral, o meu irmão rasgava os embrulhos a uma velocidade incrível e eu abria tudo muito lentamente a fazer render as prendas. Havia sempre pelo menos um par de cuecas e meias das tias, um pijama da avó e uma nota de quinhentos escudos da vizinha do lado, para cada um.

Mas, mesmo assim falta qualquer coisa à árvore. Eis que a mãe regressa. Traz com ela o toque final. Sinos, bolas e bichinhos de chocolate envoltos em belas pratas! Sim, com estes no lugar a árvore fica finalmente completa! Tu pões os teus que eu ponho os meus, dizemos um para o outro. São sempre dois de cada: duas bolas, dois sinos, duas joaninhas, etc. Não se esqueçam que só podem comer os chocolates no dia de Reis, lembra a mãe. A mim não me custa nada que até nem gosto, mas para o meu irmão é uma verdadeira prova de resistência.

Foi por isso, que ele se tornou mestre na arte de tirar o chocolate sem estragar a forma à prata. Com muito jeitinho (e sem que nunca ninguém conseguisse descobrir como é que ele fazia), conseguia comer cada chocolate, os dele e os meus, mas sem que se notasse. A minha mãe ia procedendo à inspecção de vez em quando, que consistia em apertar cada enfeite de chocolate, para ver os que já estavam vazios. Eu chorava baba e ranho quando descobria que ele tinha comido uns dos meus, embora não gostasse e nunca comesse mais do que uma dentada de chocolate. Mas para ele, tanto chocolate pendurado à mão de semear era um autêntico suplício.

É dia 8 de Dezembro. E eu, enquanto tiro o meu pinheiro nórdico perfeito, de dentro da caixa de papelão que lhe serve de casa durante o ano, e vou buscar os enfeites de vidro de vários tons mas de apenas duas cores, dos enfeites meticulosamente escolhidos para combinar com o resto da decoração e as luzes todas brancas. Sinto falta das bolas de plástico, das fitas pirosas e dos animais de Pin-y-Pon que faziam as delícias de duas crianças. Sinto falta dos Natais passados e planeio os que estão para vir, para que duas crianças, desta vez as minhas, tenham exactamente as mesmas recordações que eu tive.