O elevador...

Já foi há algum tempo. Mais precisamente quando entrei na casa dos 20 anos. A minha vida aí era atribulada. Trabalhava, estudava e ainda tinha tempo para alguma vadiagem com os amigos. A verdade é que se o corpo parecia aguentar todas as horas que a vontade pedisse a cabeça começava a evidenciar sinais de cansaço. Ora como para grandes males há grandes remédios toca a ir abastecendo com uns quantos cafés ao longo do dia.

Acordei cedo. Mais cedo do que o habitual. A missão era fazer umas análises de rotina e ir para a empresa de um amigo ajudá-lo com uma base de dados. Fui sem grande vontade porque eu e as agulhas não somos grandes companheiras. Aliás, agulhas e objectos cortantes em geral. Não gosto nem de ver imagens que envolvam manuseamento de tais objectos. Arrepiam-me. Filmes de acção então nem se fala, nem uma luta de murros consigo ver sem me encolher umas trinta vezes e esconder a cara nas mãos ou no ombro mais próximo.

A manhã era de primavera e ainda pedia um agasalho. Fui ligeirinha para ver de despachava tudo e ficava mais calma. À chegada, a simpatia habitual. Troca de impressos, dar os dados, pagar e aguardar na sala. Toca a ler uma revistinha colocada para o efeito. É de há três meses atrás. Não faz mal porque revistas é coisa que não leio mesmo. Gasto o tempo a folheá-la de trás para a frente como convém. Sou chamada. Levanto-me e lá vou eu com um sorriso amarelo e o nervoso miudinho a querer tomar posse das minhas pernas. Sento-me e arregaço a manga do braço esquerdo. Não sei porquê mas tenho a ideia que neste dói menos. Vou conversando para me distrair. Eu aliás converso por tudo e por nada. Estar calada para mim é um sacrifício . Nervosa então nem se fala.

A conversa roça o tema do meu medo. Dou sempre a entender este pânico para ver se consigo um pouco mais de delicadeza no momento em que a agulha se aproxima do meu braço.
- As suas veias são óptimas, diz a técnica ou enfermeira ou outra coisa qualquer pois não sei que nome é que lhe hei-de dar. Fica técnica, para facilitar.
- Não vamos ter problemas, basta descontrair-se. Inicio então meu processo de descontracção. Olho para o lado para afastar do meu campo de visão tal imagem. E a pensar que quando era miúda gostava de ver tudo do início ao fim e ainda fazia perguntas. Entretanto cresci e tornei-me maricas. Aiii! Já está e nem dei conta. A conversa deu para enganar e depois de a agulha se afastar novamente tenho uma coragem de leão. Não percebo porque não me deu um chupa e disse: Que forte! Parabéns pela coragem! Não percebo, mas ainda bem que não o fez porque até nem gosto de chupas.

Fico sentada com o dedo sobre o algodão a pressionar a picadela. A técnica vai distribuindo o sangue por vários tubos. Sempre a conversar. A conversa é a minha tábua de salvação.
- Sente-se bem? Ora levante-se lá. Tem tonturas!? Não, respondo eu, toda feliz. Vamos então dar a vez a outro. Saio e completo a missão na recepção onde me dão o papelito com a data em que posso levantar os resultados. Mais um pouco de conversa e até à próxima.
Chamo o elevador. O prédio no centro de Lisboa não é novo mas o elevador até que não é mau. Totalmente espelhado no interior e a porta encolhe sozinha para um dos lados. Aparte do pequeno solavanco nas paragens e no arranque desliza suavemente. E eis que chega. A porta abre-se e eu entro. O elevador só para mim. Que bom. Detesto elevadores cheios. Primo o zero e a porta fecha-se.

Não sei onde estou. Viro-me para todos os lados e não me consigo mexer. Está escuro não consigo ver nada. Tento bater com os pés e com as mãos mas a pressão que sinto é muito grande. Estou enterrada viva penso eu, e o pânico instala-se. Tento gritar, chamar por socorro mas ninguém me vale. Nem sei se me ouvem. Bato com toda a força que tenho mas a pressão é muito grande. Mas o que aconteceu?, penso eu. O que é que se passou? Ai que treta! Mas o que é que se passa aqui? Eu nem me lembro onde é que estava antes. Mas alguém me ouve?! Falta-me o ar.

De repente a pressão é aliviada. Consigo esticar uma perna e empurrar o peso que me comprime e prende os movimentos. Apoio-me nos braços e dou por mim a gritar. A gritar e a chorar num choro soluçado de quem tenta respirar e não consegue. Surge alguém ao pé de mim. Agarra-me e ajuda-me a levantar. Faz-me perguntas que eu não ouço mas vejo que faz. A minha cabeça parece que foi colocada num torno, sinto-a a latejar e uma dor que vai e vem. Olho em meu redor. Estou na saída do prédio da clínica. Não sei o que se passou. Tenho um senhor de idade e uma velhota bem velhota a dispararem perguntas em todas as direcções. A velhota vai chamar alguém da clínica para me vir acudir. O homem continua a perguntar: O que se passou?! Começo finalmente a ouvir.
- Mas foi assaltada?! Deram-lhe um tiro? Uma facada?!, pergunta-me com um ar ávido de notícia de primeira página. O quê que ele está a dizer? Facada?! Eu continuo a chorar sem me conseguir controlar, e tento falar. Eu que falo tanto não consegui dizer nada. Meio a soluçar lá vou tentando balbuciar o que sabia. Ele com uma cara de pânico percorre com os olhos o meu corpo em busca de sangue. Não vê. Eu... só... fui... tirar... sangue... digo eu no meio daquele pranto sem controlo. Estraguei tudo. Ele afasta-se de rompante.
- O quê?! Não foi assaltada? Ninguém lhe fez mal?!, trocando o ar assustado pelo ar da mais profunda frustração. Foi só tirar sangue?! E é preciso um filme destes?!
Pois perdoem-me a desilusão mas felizmente não fui atacada por nenhum marginal ou agredida com nenhum dos objectos que tanto abomino. Chega a técnica com um copo de água com açúcar. Então querida o que se passou?!, diz-me ela. Olhe pois isso era o que eu queria saber e ninguém me explica, penso eu. É das poucas vezes que penso mais rápido que falo.

Lá de trás põe-se a velhota a contar o que viu: Pois eu ia a entrar e vejo uma pessoa caída dentro do elevador. A porta abria e fechava e a pessoa não se mexia. Saí para a rua a gritar por socorro que lhe tinham feito mal e que eu não lhe podia valer. Veio este senhor em auxílio e eu corri a chamá-la.

Primeira parte explicada. Desmaiei foi a conclusão. Mas se desmaiei foi logo assim que o elevador começou a andar porque não me lembro de nada. Só daquele solavanco característico. Mas e a pressão que eu sentia enquanto estava inconsciente? É também fácil de explicar. Quando desmaiei caí sobre a porta do elevador que ao chegar ao seu destino se abriu para o lado. O meu corpo caiu no chão ficando a cabeça na corrediça da porta. Ora como o sensor de infra-vermelhos está colocado um pouco mais acima, a porta fechava. Ou pelo menos tentava, e na tentativa lá batia na minha cabeça. Mais precisamente na minha orelha esquerda e a direita batia onde devia bater a porta. Como havia um obstáculo que impedia a porta de fechar, e que só por acaso era eu, voltava a abrir. De novo, voltava a fechar. E a abrir. E a fechar. Tantas vezes quanto as possíveis no tempo que demorou até virem em meu auxílio. Tudo explicado, uma valente dor de cabeça, e a mais profunda desilusão do meu salvador. Toca mas é de beber a água e de me por a andar porque para vergonha já basta! Doeram-me as orelhas mais de três dias. Mas ganhei uma história para contar.

19 Comentários:

Blogger Anna^ disse...

Sem maternalismos:Achei EXCELENTE!Aliás eu acho q tens o dom da escrita,consegues pôr nas letras o q te vai na alma ,sem atropelos nem grandes floreados e de uma forma legível,isto é,todos recebem a tua mensagem de uma maneira clara.
Temos mais em comum do que eu pensava:o gostar de escrever...o detestar agulhas e afins(qdo vou tirar sangue não posso olhar ),detesto lugares fechados(tenho um milésimo de claustrofobia mas q é suficiente para me pôr empánico n vezes).Só não falo muito...antes plo contrário:sou mais de ouvir do q falar.

Mas voltando ao texto Sandra,acho honestamente q tens tudo para vingar nesse teu projecto do livro...vai em frente...tens o meu apoio e uma fã e compradora :) espero ter direito a dedicatória no primeiro exemplar ;)

Bjokas muitas!! ":o)

11:57 da manhã  
Blogger Mãe Babada disse...

FORÇA! Segue o que sabes fazer de melhor...expressar os teus sentimentos, contar as tuas histórias, fazer-nos emocionar e viajar contigo com tudo o que vives-te!

Espero vir aqui ler todos os dias mais uma página deste teu livro aberto a todos nós!

Beijos gdes

12:19 da tarde  
Blogger Ana Rangel disse...

Adorei!!!

Este teu cantinho está fantástico... fartei-me de rir (é verdade, também rio com alguma da desgraça alheia, hehehe) e, ao ler, parecia que estava presente. :)

Escreves muito bem... mas, isso, tu já sabias. ;)

Muitos beijinhos para ti, aqui deste lado!

6:21 da tarde  
Blogger Xuinha Foguetão disse...

Ehehehehehehe!
Tens futuro! E melhor se tiveres mais histórias destas para contar!
Espero que te divirtas mt a escrever como eu me divirto a ler-te!
Beijos grandes.

11:53 da tarde  
Blogger ana rita disse...

escreve, escreve! só entre leitores assíduos do teu blog terás escoamento para uma parte jeitosa da 1ª edição!
:)

12:15 da manhã  
Blogger Anabela disse...

Parabéns Sandra!!
Prendeste a minha atenção até ao último ponto final :))
Cá fico á espera de mais um texto, que este deixou-me a salivar :))
Beijinhos!

1:00 da manhã  
Blogger scaf disse...

Ahah, Sandra, desculpa, mas não consegui deixar de me rir com o final. bem sei que é feio rir das desgraças dos outros, mas é impossível conter! :)
Adorei! (e mais não é preciso dizer)
Bjs

8:34 da manhã  
Blogger Ana disse...

Adorei!!! Tens mesmo um jeitao para nos prenderes a tuas historias... fiquei agarrada ao ecran... vou ficar a espera de mais!!! jokas

9:25 da manhã  
Blogger Cláudia disse...

Está explicada a origem da tua "pancada", de tanta vez que levaste com a porta do elevador ;o) eheheh... estou a brincar.
Espero que continues. Um cantinho a visitar sempre - em nome da boa escrita, em nome da boa disposição.
Beijinhos mimados.

9:36 da manhã  
Blogger Margarida Atheling disse...

Excelente história e muito bem escrita!
Sim senhora! Estás à espera de quê?!

Muitos beijinhos!

11:28 da manhã  
Blogger sandra disse...

Gostei!! ;) Muito bom!

12:26 da tarde  
Blogger Mamuska disse...

Gostei muito Sandra! Continua porque tens muito jeito para a escrita. Beijosss

2:37 da tarde  
Blogger AnaBond disse...

Eh pah, nem te vou elogiar... já temos aqui inundação que chegue...

(vá... continua lá. só não prometo ler tudo, afinal vou de férias ahahahha)

3:09 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

excelente adorei a historia se eu fosse a ti nao punha la mais os pes de vergonha :)
jinhos e continua tens jeito.
andreia e diana

5:37 da tarde  
Blogger Célia disse...

Muito bom!
Para quando a próxima??
Beijos

5:20 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Caramba, tens mesmo o dom da escrita, acredita! vou continuar a vir aqui, pois tá claro! E ao teu blog "!principal" também!
Beijinhos

5:22 da tarde  
Blogger Alice disse...

Muito bom.
Fiquei colada á espera do final. A imagem da tua cabeça no elevador não me sai da ideia. Ui...

11:35 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Para não ser mal entendida e apedrejada por ser honesta, posso dizer-te que também já li pior. Mas foi há muito tempo «à frente»... ;) E tens muito mais a corrigir se queres ser publicada. Desculpa lá, mas é a verdade. Boa sorte.

5:23 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Olá,

É só para te dizer que adorei a tua escrita e acho que consegues descrever muito bem os cenários.

E pelos vistos, já tens muitos fãs.

Espero que continues assim!

4:11 da tarde  

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